As fases de desenvolvimento da comunidade por Lena Ferreira
No texto anterior, “Gestação e formação energética da
comunidade”, abordamos a geração e a manifestação da comunidade em sua criação.
Aqui, veremos como é o processo de desenvolvimento de suas fases, novamente
inspirados na Pedagogia Social. Por isso é importante ler o texto anterior
antes deste. A fase inicial ou pioneira
representa a infância e a adolescência da comunidade. A seguinte, a fase estruturante, representa a vida
adulta e pode ser dividida em três subfases: exploração, adaptação e encontro. Por fim, chega-se à fase integrada, que indica que a
comunidade chegou à sua maturidade. Cada uma das fases tem suas fantasias, suas
crises e suas acomodações, mas seguindo novamente a analogia com o Ser Humano, o
crescimento não volta para trás, e o aprendizado é para toda a vida.
Lena Ferreira por Bernardo Oliveira |
Na fase inicial ou
pioneira, o corpo ou os corpos da comunidade ainda estão se formando, e as
pessoas estão se conhecendo. Cada um chega com o seu próprio mundo de ideias,
sentimentos, hábitos, necessidades, motivos e visões do objetivo do grupo. Chega
trazendo consigo o seu lado luz, mas, como na vida em sociedade as decepções e
frustrações muitas vezes fazem perder a confiança nos outros seres humanos, alguns
podem chegar também manifestando o seu lado sombra. Posturas negativas (cada um
por si, algumas manipulações, mentalidade ganha/perde) convivem com posturas
positivas – relações de confiança, espontâneas, informais. Nesta fase, que
simboliza o nascimento e a infância da comunidade, talvez seja necessária a
atuação de um líder (ou grupo de líderes) com consciência e amor pelo projeto da
comunidade e com capacidade e muita disposição para trabalhar duro e dar um
rumo à energia tão dispersa desse momento. Igualmente como na formação de
qualquer eu individual, os valores e
sentimentos gerados neste início ficarão impressos na identidade futura. Apesar
de haver certa insegurança no ar, há muita criatividade e um alto nível de
motivação e comprometimento, e o grupo age dentro de um clima de família. As
relações são informais e espontâneas, e os papéis ainda não estão bem definidos.
Há muito improviso e pouco controle, as decisões são tomadas intuitivamente ou
são tomadas pelo líder fundador, que tem o conhecimento dos processos e a
confiança do grupo. Os menos extrovertidos não sabem bem o que fazer ou como se
comportar e, por hábito, as pessoas ainda se apresentam com suas máscaras
sociais ou profissionais.
Os recursos são escassos, e esse é um desafio que
pode mobilizar a cooperação na comunidade.
A fase seguinte, fase
estruturante, geralmente começa com uma crise da fase inicial, tal qual
sair da infância ou da adolescência. A passagem do tempo e a rotina geram perda
de vitalidade e queda de motivação. Geralmente começam as dificuldades de
comunicação e a insatisfação com a falta de inovação. O grupo precisa crescer e
ganhar maturidade, e para isso talvez seja necessário que o líder fundador delegue
responsabilidades e dê espaço para que novas lideranças surjam, ou que o
próprio grupo que começa a questionar assuma lideranças. Na tentativa de
corrigir os rumos, muitas vezes cai-se no erro do excesso de racionalização, e
criam-se regras minuciosas para serem seguidas à risca, o que pode gerar mais
conflitos ainda. Para vencer essa crise e entrar conscientemente em um novo
ciclo de desenvolvimento, é fundamental que haja muito diálogo franco e que se
lance mão de algumas ferramentas, como feedback
(assunto de um próximo texto), ou reuniões circulares para rever os objetivos –
que têm que ser autênticos e estar relacionados com a biografia – e para criar
novas orientações e desenvolver estruturas mais simples, eficazes e descentralizadas.
A fase estruturante
simboliza a chegada à vida adulta e se divide em três subfases: exploração, adaptação e encontro.
Na exploração, os
membros começam a buscar respostas inspirados em outros grupos de que
participaram, em leituras ou em experiências de outras pessoas. O grupo pode
estar ainda na dependência do líder inicial, buscando seu apoio e orientação.
Esse líder pode adotar nesse momento uma atuação positiva e instigar o grupo a
clarear papéis, desenvolver a corresponsabilidade e continuar seu
desenvolvimento. Pode também haver uma disputa de liderança por novos líderes
emergentes ou subgrupos. Essas tentativas de divisão nem sempre são negativas,
sobretudo se trouxerem outros pontos de vista e clareza para processos
emperrados. Conforme as pessoas vão enxergando e compreendendo a visão uns dos
outros, pode-se chegar a uma síntese e a uma nova imagem comum do propósito e
dos processos dessa comunidade, e as pessoas podem começar a ligar seus
objetivos pessoais aos objetivos comuns. Assim estará se criando um novo
contorno para esse corpo, o primeiro sinal da identidade grupal.
A subfase seguinte, a adaptação,
começa quando se consegue atribuir papéis de acordo com o perfil de cada um e combinar
objetivos e processos claros de atuação. O grupo vai se tornando cada vez mais
competente, e são criados acordos com a participação de todos. Mas também
existe o perigo de se ignorarem necessidades pessoais e sociais de alguns
membros, com a desculpa de que é necessário avançar. E membros insatisfeitos
podem expressar frustrações e sentimentos reprimidos nem sempre de forma
tranquila. Pode crescer a tensão, e até acontecer a dissolução ou divisão do
grupo. Chegar na próxima subfase vai depender de aceitação, compaixão e
maturidade para lidar com as diferenças e para conseguir transpassar os
conflitos.
Para avançar para a subfase do encontro, o grupo deve aceitar
o desafio de trabalhar os relacionamentos de forma consciente e técnica e enfrentar
os problemas pessoais e relacionais. Se há abertura dos membros para
compreenderem o que estão sentindo, os conflitos podem se tornar oportunidades
de crescimento e de um encontro mais profundo consigo mesmo e com o outro.
Muitas vezes as pessoas se dão conta de que não estavam tendo encontros reais,
e sim por detrás de máscaras sociais ou movidos por crenças antigas. Isso é
normal, já que no mundo todo é assim. Mas não queremos ser iguais a todo mundo,
queremos experimentar vínculos profundos, o amor de uma família escolhida, o
encontro verdadeiro. Os indivíduos são valorizados pelo seu potencial e pelos
seus defeitos, ou seja, pela contribuição única que trazem para o mundo, e as
diferenças são reconhecidas e aceitas. Assim o grupo pode se tornar altamente
afetivo, cooperativo e eficiente, colocando seus potenciais a serviço de
construir habilmente suas relações sociais e seu Paraíso na Terra.
Máscaras - Grupo Base |
Se houve o encontro da fase anterior, as pessoas chegam à fase integrada. Falam umas com as outras com interesse
genuíno e respeito; elogiam, dão feedbacks,
oferecem e pedem ajuda, assumem riscos, compartilham seus processos e crises
individuais. As relações são construídas e evoluem por meio de diálogos abertos
e compassivos. E o grupo entra em uma fase criativa, que favorece o desenvolvimento
de cada um e o da comunidade. Habilidades de liderança circunstancial e de
atuação em prol do coletivo são colocadas em prática harmoniosamente, e o grupo
flui na direção do bem de todos. Todos já se conhecem bem, assumem a identidade
da comunidade com consciência, e os processos são ágeis e definidos a partir
das necessidades. Os recursos são utilizados de forma consciente, atendendo às
necessidades ambientais, econômicas e sociais da comunidade.
Mas é mesmo possível chegar a esse estágio? Como em toda
parte, na comunidade intencional também é comum que haja pessoas em diversos
estágios de desenvolvimento: algumas ainda na exploração, outras na adaptação
ou encontro e outras já na fase criativa ou integrada. E essas diferenças não
são ruins, podem ser estímulos a estarmos sempre em aperfeiçoamento e
movimento. Funciona como nas famílias, onde há crianças, adolescentes e talvez
deficientes, mas todos podem entrar no mesmo fluxo,
harmoniosamente. Se aquele pequeno grupo que consegue dar o tom está na fase
integrada e as relações forem amorosas, toda a comunidade o acompanha.
Quanto tempo dura cada fase? Não existe uma resposta, pode
levar meses, ou mesmo anos. Depende muito de como as pessoas do grupo estejam
preparadas e abertas a construírem um projeto de vida comum que contemple a
todos, mesmo que, como em qualquer relacionamento, às vezes se tenha que fazer
concessões. Pode acontecer de uma comunidade nunca sair de uma das fases,
sobretudo se não lançar mão de tecnologias sociais de relacionamento para
resolver seus impasses.
Pode-se pular fases? Como em um organismo vivo, não se pode
pular fases de desenvolvimento, mas é possível passar muito rapidamente de uma
fase para outra, dependendo de como as pessoas estejam preparadas.
E as comunidades também morrem? Morrem também, mas podem
viver muito tempo e deixar sua herança para seus sucessores. São como as
famílias: as novas gerações sucedem as mais velhas, mantendo a identidade
familiar.
Lena Ferreira
Designer em Sustentabilidade
Pedagoga Social e da Cooperação
Consultora de Relações Humanas da Amainar
Texto protegido pela Lei de Direito
Autoral nº 9610/98
Lena, seu texto é uma delícia. Leve e claro. Grata por essa partilha tão genuína!
ResponderExcluirSim, como bem disse a Denise acima, é uma delícia ler o teu texto e dá vontade de ler o próximo. Boas inspirações. bjs
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